Homilia de Domingo 25.08.2024
Evangelho
A fé em Jesus exige decisão
1ª Leitura: Js 24,1-2ª.15-17.18b
Sl 33
2ª Leitura: Ef 5,21-32
Evangelho: Jo 6,60-69
-* 60 Depois que ouviram essas coisas, muitos discípulos de Jesus disseram: «Esse modo de falar é duro demais. Quem pode continuar ouvindo isso?» 61 Jesus sabia que seus discípulos estavam criticando o que ele tinha dito. Então lhes perguntou: «Isso escandaliza vocês? 62 Imaginem então se vocês virem o Filho do Homem subir para o lugar onde estava antes! 63 O Espírito é que dá a vida, a carne não serve para nada. As palavras que eu disse a vocês são espírito e vida. 64 Mas entre vocês há alguns que não acreditam.» Jesus sabia desde o começo quais eram aqueles que não acreditavam e quem seria o traidor. 65 E acrescentou: «É por isso que eu disse: ‘Ninguém pode vir a mim, se isso não lhe é concedido pelo Pai.’ « 66 A partir desse momento, muitos discípulos voltaram atrás, e não andavam mais com Jesus. 67 Então Jesus disse aos Doze: «Vocês também querem ir embora?» 68 Simão Pedro respondeu: «A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna. 69 Agora nós acreditamos e sabemos que tu és o Santo de Deus.»
* 60-71: As palavras de Jesus provocam resistência e desistência até entre os discípulos. Muitos conservam a idéia de um Messias Rei, e não querem seguir Jesus até à morte, entendida por eles como fracasso. E não assumem a fé por medo de se comprometerem. Os Doze apóstolos, porém, aceitam a proposta de Jesus e o reconhecem como Messias, dando-lhe sua adesão e aceitando suas exigências.
Bíblia Sagrada – Edição Pastoral
Comentário
A quem iríamos, senão a Jesus?
“Comer e beber minha carne e meu sangue” (evangelho) são “palavras duras”, não só por sua significação teológica, mas também por suas conseqüências: implicam em aceitar Jesus sacrificado como alimento, recurso fundamental, de nossa vida. Isso era duro para os que puseram sua esperança num messias político-nacional. Exatamente porque pensavam em categorias “carnais”, não podiam aceitar um messias que viesse numa “carne” humilde e aniquilada, um messias alheio aos sonhos teocráticos deles. Menos ainda poderiam aceitar que esta “carne” fosse a manifestação da “glória” (6,62). Se esta é a glória de Deus… não precisam dela. Contudo: “A Palavra tomou-se carne e nós contemplamos sua glória” (1,14). A glória do Cristo é a cruz: nela, ele atrai a si todos os que se deixam atrair pelo Pai (cf. 12,32; 6,44).
Mas, também para nós, as palavras do Cristo são difíceis de aceitar. Sua “carne” é bastante incompatível com nossa sede de sucesso. Sua “glória”, por outro lado, a confundimos com a visibilidade efêmera do espetáculo religioso. Somos incapazes de imaginar a “subida” ao Pai daquele que viveu a condição de nossa carne até seus mais profundos abismos. Será que já imaginamos alguma vez um destes homens sofridos, quebrados, anti-higiênicos, porém radicalmente autênticos e bons que vivem em nosso redor como sendo o nosso “senhor”? Talvez consigamos ter pena de tais homens, mas admirá-los e tomá-los como guia de nossa vida … A glória é ainda mais escandalosa do que a carne.
Não adianta. Com categorias “carnais”, humanas, não chegamos a essa outra visão sobre a “carne” da Palavra. A “carne” não resolve. Precisamos de um impulso que venha de fora de nós. O “espírito”, a força operante, a inteligência atuante de Deus, nos levará a acolher o mistério do escravo glorificado. Jesus mesmo nos transmite esse espírito (10 3,34), e sua “exaltação” é a fonte desse dom (7,39). Suas palavras são “espírito e vida” – espírito da vida (6,68; cf. 6,63). Só entregando-nos à sua palavra (isto é, aplicando-a em nossa vida), poderemos experimentar que ele é fidedigno. Ou seja, o “espírito” que há de superar o que nossas categorias demasiadamente humanas recusam vem do próprio “objeto” de nosso escândalo. Não é como conclusão de um teorema que seu espírito penetra em nós, mas como conseqüência de uma arriscada decisão e opção. É essa opção que Pedro pronuncia, vendo a insuficiência de qualquer outra solução: “A quem iríamos … “.
A 1ª leitura ilustra o caráter de tal opção pelo exemplo de Josué: a escolha que Josué apresenta aos israelitas do séc. XII a.c. (entre Javé, que os libertou do Egito, e os deuses da Mesopotâmia, supostos fornecedores de fecundidade etc.), escolha que os autores bíblicos apresentam a seus contemporâneos, no tempo da ameaça assíria e da deturpação da fé pelos cultos dos baalim (10). A escolha entre um Deus que provou seu amor e fidelidade e deuses que devem sua “existência” aos mitos que os homens criam em redor deles. Essa opção se apresenta a nós também: optaremos por aquele que “deu a vida”, em todos os sentidos, ou pelos ídolos pelos quais tão facilmente damos nossa vida, sem deles recebermos a gratificação que prometem: sucesso, riqueza, poder.
A 2ª leitura de hoje é muito rica, mas não combina com as duas outras. Porém, por ser sua mensagem tão importante, sobretudo num tempo em que o caráter santificante do amor conjugal e familiar é praticamente desconsiderado, seria bom reservar na liturgia um momento à parte para proporcionar também esta mensagem aos fiéis, talvez no envio final, como uma das maneiras para encarnar a opção por aquele que tem as palavras da vida eterna …
(10). Para bem entendermos o trecho, ajuda o conhecimento de sua origem literária. Faz parte da “historiografia deuteronomista”, ou seja, da história de Israel escrita em função do movimento profético dos séculos VII e VI a.c. (que promoveu também o livro do Dt). Este movimento denunciava com força o perigo do comprometimento de Israel com os deuses e os príncipes das antigas populações cananéias e estrangeiras.
Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes
Mensagem
A opção certa
Há cinco semanas estamos acompanhando o episódio do sinal do pão (Jo 6). Hoje ouvimos o desenlace. No domingo anterior vimos como Jesus se apresentou como o “pão da vida” e proclamou que estava oferecendo sua carne como alimento para a vida do mundo.
Muitos não “engoliram” isso, porque “essa palavra é dura demais” (6,60). Dura, não apenas pela dificuldade de compreensão (alguns falavam até em antropofagia), mas sobretudo por causa das consequências práticas. Estranharam o que Jesus disse a respeito de sua carne. Estranhariam muito mais ainda sua “subida aonde estava antes”, sua glorificação, pois essa se manifesta na “exaltação” de Jesus…. no alto da cruz, quando ele revela plenamente o amor infinito de Deus, seu Pai. Só pelo Espírito de Deus é possível compreender isso (6,52-53). É difícil “alimentar-se” com a vida que Jesus nos propõe como caminho, com aquilo que ele disse e fez, sobretudo, com o dom radical de sua vida na morte – pois tudo isso significa compromisso.
A 1ª leitura dá um exemplo de compromisso. O povo de Israel, ao tomar posse da terra prometida, teve de escolher com quem ia se comprometer, com os outros deuses, ou com Javé, que os tirou do Egito. Visto que Javé mostrou de que ele era capaz, optaram por ele (Js 24). Optar significa decidir-se, não em cima do muro. É dizer sim ou não.
Jesus põe os seus discípulos diante da opção por ele ou pelo lado oposto. “Vós também quereis ir embora?” E Pedro responde, em nome dos Doze e dos fiéis de todos os tempos: “A quem iríamos. Tu tens palavra de vida eterna”. O que Jesus ensina é o caminho da vida eterna, da comunhão com Deus para sempre. Foi para isso que Jesus reuniu em torno de si os Doze, que representavam o novo Israel, o povo de Deus, para que o seguissem pelo caminho. Para que constituíssem comunidade, comungando da vida que ele dá pela vida do mundo. Nosso ambiente parece recusar essas palavras de vida eterna. Por diversas razões. Uns porque querem viver sua própria vidinha, sem se comprometer com nada, outros porque preferem um caminho próprio, individual… O difícil da palavra de Jesus consiste nesse compromisso concreto. Ao longo dos séculos, houve quem tornasse o cristianismo difícil por meio de penitências e exercícios, até reprimindo e deprimindo. Mas a verdadeira dificuldade é abdicar da auto-suficiência e entregar-se a uma comunidade reunida por Cristo para segui-lo pelo caminho da doação total. Só que este caminho é também o caminho da “perfeita alegria”, de que fala Francisco de Assis.
Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes