“Espírito, vem dos quatro ventos e sopra sobre estes mortos para que vivam” (Ez. 37,9)
Vemos na leitura dos Atos dos Apóstolos, no capítulo 2,1-11, que os discípulos que estavam rezando no Cenáculo, esperando o cumprimento da promessa de Jesus acerca do Espírito Santo, ao recebê-lo em forma de línguas de fogo, começaram a falar línguas diversas, e, saindo dali, ao pregarem nas ruas e praças, todos os que os ouviam, apesar de serem de diferentes nações, compreendiam perfeitamente o que falavam, pois o faziam na língua de cada um deles.
Era um sinal de que, como lembra um antigo escritor africano do século VI (cf. Lit. Horas, vol 2, 7ª S. Páscoa, p. 910-911), a Igreja haveria de transmitir com as línguas de todas as nações do mundo, a única mensagem salvífica do Evangelho de Jesus Cristo, e por meio dela gerar a unidade perdida com o pecado original.
Pentecostes é o contrário do episódio de Babel, quando as línguas se misturaram, devido à pretensão humana de chegar até Deus por sua própria engenhosidade, gerando profunda desunião, a qual levou ao abandono do projeto daquela torre. Pentecostes fala de unidade.
Jesus é o enviado do Pai para recompor a unidade perdida entre Deus, o Pai, e a humanidade, e também a unidade dos homens entre si. Em sua oração sacerdotal fica patente o desejo de Deus por esta unidade, quando o próprio Jesus ora ao Pai, diante dos apóstolos, pedindo que eles fossem um, como Ele e o Pai são um. Em seguida ora por todos aqueles que haveriam de crer para que fossem um, a fim de que o seu testemunho fosse credível diante do mundo. Ele rezava por sua Igreja, pedindo para ela a unidade em meio a um mundo dividido (Jo 17,1).
A unidade, por meio do vínculo do amor (cf. Rm 5,5), é, pois, a grande obra do Espírito Santo, opondo-se à divisão gerada pela tentação diabólica, onde o pecado da soberba vai separando, dividindo cada vez mais, como é próprio do mundo infernal. Divisão que não se faz de maneira escancarada, como aos primeiros pais não o foi, mas que é sempre um processo de sedução com argumentos bem construídos, que semeiam a dúvida acerca do bem, fazendo-se duvidar da verdade, com pseudoverdades bem elaboradas, que seduzem as mentes predispostas ou as incautas. É um processo de comunicação às avessas, pois em vez de comunhão, gera a divisão e a morte.
Hoje o mundo vive a profunda necessidade do reavivamento de Pentecostes, pois a confusão das línguas, não obstante a comunicação massiva, possível como jamais se viu, tem gerado uma desunião perigosa e sem precedentes. Embora divisões que geraram inúmeras formas de separações e até grandes guerras tenham já existido na história humana, ela nunca se deu de modo tão globalizante como agora, graças ao imenso poderio justamente do mundo da comunicação.
É que, na verdade, a comunicação humana sozinha não consegue por si mesma prover aquele nível de comunhão profunda, capaz de unir os corações, posto que o pecado da soberba, da autossuficiência, está sempre à espreita em cada digitação, em cada gravação, em cada pixel utilizado sem que se conte com a luz daquele que é o Unificador, o único que leva ao pleno conhecimento da verdade, o Espírito Defensor dos homens e seu iluminador.
O Espírito Santo é a “alma da Igreja”, como canta o Veni Creator Spiritus, e por isso, a Igreja precisa pedir sempre ao seu Senhor que renove Pentecostes para si e para o mundo. Que venha, como profetizou Ezequiel, o Espírito, dos quatro cantos da terra, dar vida aos ossos ressequidos pelo pecado, sobretudo hoje em dia, pelo triste e diabólico (diabolus = divisão) pecado da divisão, da falta da verdadeira comunicação, que tem construído muros em vez de pontes. Muros entre nações, muros dentro de um mesmo povo, muros dentro de uma mesma casa. Muros que separam povos, impedindo os pobres, que precisam se refugiar, de encontrar uma pátria que os acolha; muros impostos pela luta pela hegemonia econômica do planeta; muros construídos dentro do Brasil, com pilhas de cadáveres, na hora mais grave dos últimos cem anos; muros entre as igrejas; muros dentro das casas, por meio de um celular, que na palma da mão, não permite que se vire o rosto para encontrar outro rosto em busca de comunicação que seja real.
Que venha o Espírito Santo unir o que está disperso, regar o seco, encher os corações de amor.
Dom Walter Jorge Pinto
Festa de Pentecostes, 2020.