“E Jesus disse aos discípulos: É impossível que não venham escândalos, mas ai daquele por quem vierem! ” (Lc 17,1)
O pecado de raiz da humanidade é a soberba, pois a mesma é a mãe de todos os pecados. Por meio da soberba, do orgulho de querer ser como Deus, Lúcifer foi banido da presença de Deus, pois não aceitou sua condição de criatura.
A soberba espiritual faz com que uma pessoa ou um grupo tenham a pretensão da verdade, como se somente elas ou eles tivessem a sua posse, devendo ser combatido e eliminado todo pensamento que não concorde ou coadune com a sua suposta verdade. O outro, o diverso, o diferente é visto então como inimigo, como verdadeiro perigo à suposta pureza do pensamento do grupo, pois representaria o erro ou mesmo, colocaria em risco todo o edifício da construção da verdade defendida por tal grupo.
Por meio da soberba, graves divisões acontecem nas sociedades, nas famílias e também nas religiões, dividindo a comunidade, gerando rixas, divisões e inimizades. Na religião, a tendência ao pensamento único, que nivela a todos em direção à suposta verdade enxergada pelos “iluminados”, numa defesa apaixonada da também suposta ortodoxia e pureza da fé, impede o diálogo, fonte única para se chegar, de fato à verdade.
Jesus bem alertou que uma família ou um reino divididos não subsistem (Cf. Mt 12,25), pois o diabo, pai de todas as mentiras e especialista no jogo de dividir as pessoas, se utiliza da divisão causada para destruir a unidade, levando as pessoas à raiva e ao ódio.
Para os cristãos, Jesus é, como ele mesmo afirmou, “o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6). A verdade, portanto, para os cristãos se dará no encontrar cada vez mais a Jesus, em segui-lo decididamente, negando-se a si mesmo para tanto, pois “quem não nega-se a si mesmo e não toma a sua cruz” (Lc 9,23), não poderá segui-lo com fidelidade.
No entanto, Jesus não é apreendido totalmente por ninguém ou por nenhum grupo, pois sendo Deus, ele é o “Totalmente Outro”, que nos escapa, por ser e estar muito além de nós, pois a criatura nunca poderá abarcar o Criador. Sendo Ele a Verdade, então devemos saber que o conhecimento mais pleno da verdade se dará somente na humildade da compreensão comunitária de quem Ele é, na junção dos muitos olhares, dos muitos ângulos de compreensão da sua pessoa. A Igreja é aquela que possui os muitos olhares, os muitos ângulos que lhe permitem interpretar mais corretamente a Pessoa e a mensagem de Jesus Cristo, como bem ensina a Carta de Pedro, ao afirmar: “que nenhuma profecia da Escritura é de particular interpretação. Porque a profecia nunca foi produzida por vontade de homem algum, mas os homens santos de Deus falaram inspirados pelo Espírito Santo. (2Pd 1, 20-21).
Para se chegar à verdade não há outra via senão a da humildade, mãe de todas as virtudes e única capaz de combater a soberba. Humildade não é o mesmo que subserviência ou aceitação resignada e passiva, mas disposição interior de abertura àquele diálogo sincero necessário ao conhecimento da verdade. É por meio da humildade que se chega à unidade desejada por Cristo, que a suplicou para todos os que nele cressem, a fim de que o seu testemunho fosse credível para o mundo (Cf. Jo 17,21) e o seu Evangelho permanecesse íntegro, sem divisões.
Neste momento tão grave da História, em que o pecado de Babel (Cf. Gn 12), a soberba espiritual, “ponto mais elevado do pecado da humanidade”, projeta sua sombra sobre a humanidade e sobre a Igreja, mais uma vez, gerando polarizações e trazendo o pesadelo dos cismas, rogamos a Deus nos faça conhecer mais profundamente a Verdade que é Cristo, suplicando-lhe: “Jesus manso e humilde de coração, fazei o nosso coração semelhante ao vosso”.
Texto: Dom Walter Jorge Pinto
Bispo de União da Vitória