Homilia de Domingo 10.03.2024
Evangelho
Jesus provoca decisão
1ª Leitura: 2Cr 36, 14-15.19-23
2ª Leitura: Ef 2,4-10
Evangelho: Jo 3,14-21
14 Assim como Moisés levantou a serpente no deserto, do mesmo modo é preciso que o Filho do Homem seja levantado. 15 Assim, todo aquele que nele acreditar, nele terá a vida eterna.» * 16 «Pois Deus amou de tal forma o mundo, que entregou o seu Filho único, para que todo o que nele acredita não morra, mas tenha a vida eterna. 17 De fato, Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para condenar o mundo, e sim para que o mundo seja salvo por meio dele. 18 Quem acredita nele, não está condenado; quem não acredita, já está condenado, porque não acreditou no nome do Filho único de Deus.
19 O julgamento é este: a luz veio ao mundo, mas os homens preferiram as trevas à luz, porque suas ações eram más. 20 Quem pratica o mal, tem ódio da luz, e não se aproxima da luz, para que suas ações não sejam desmascaradas. 21 Mas, quem age conforme à verdade, se aproxima da luz, para que suas ações sejam vistas, porque são feitas como Deus quer.»
Notas:
* 9-15: A grande novidade que Deus tem para os homens está em Jesus, que vai revelar na cruz a vida nova. Aí ele demonstra o maior ato de amor: a doação de sua própria vida em favor dos homens.
* 16-21: Deus não quer que os homens se percam, nem sente prazer em condená-los. Ele manifesta todo o seu amor através de Jesus, para salvar e dar a vida a todos. Mas a presença de Jesus é incômoda, pois coloca o mundo dos homens em julgamento, provocando divisão e conflito, e exigindo decisão. De um lado, os que acreditam em Jesus e vivem o amor, continuando a palavra e a ação dele em favor da vida. De outro lado, os que não acreditam nele e não vivem o amor, mas permanecem fechados em seus próprios interesses e egoísmo, que geram opressão e exploração; por isso estes sempre escondem suas verdadeiras intenções: não se aproximam da luz.
Bíblia Sagrada – Edição Pastoral
Comentário
Restauração de nossa vida em Cristo
Na Quaresma, a liturgia relaciona a caminhada de Israel com a nossa salvação pela fé em Cristo, professada no batismo. O episódio narrado hoje, à primeira vista, não parece ilustrar o evangelho (cuja prefiguração veterotestamentária se encontra em Nm 21). Contudo, ao bom observador, a liturgia de hoje aparece atravessada por um fio homogêneo: a passagem da morte à vida, das trevas à luz, do pecado à reconciliação. Israel estava morto: a terra e a cidade destruídas, o povo exilado. Mas Deus o fez reviver, levando-o de volta. E isso, sem mérito da parte de Israel, mas pelo intermédio de um pagão, o rei Ciro (1ª leitura), que se apresenta como encarregado de Javé para realizar essa obra (2Cr 36,23; cf. Is 44,24-45,13). Na mesma linha, a 2ª leitura fala de nossa revivificação com Cristo, terminologia batismal (cf. Rm 6,3 etc.). Acentua fortemente a gratuidade do agir de Deus. Não foi por nossos méritos (Ef 2,8-9), mas porque Deus o quis, em sua grande misericórdia (2,4-5). O que não quer dizer que não precisamos fazer nada. Não somos salvos pelas obras, mas para as obras: para as obras boas que Deus nos preparou em sua eterna providência (2,10).
Por que não nos salvam nossas obras? Porque nosso relacionamento com Deus não é comercial, mas vital. Como poderíamos restituir àquele de quem recebemos a própria vida? A única maneira de reconciliação é: aceitar. Aceitar a nova vida que nos é oferecida, nossa nova “realização”, numa práxis que vem de Deus mesmo e que nós assumimos em união com Cristo, seu grande dom.
Também o evangelho fala de nossas obras e da bondade de Deus, gratuita e radical, pois dá seu próprio filho por nós (cf. 2° dom. Quar.). Descreve a reação dos homens, na sua práxis, diante da irrupção da oferta de Deus: Jesus Cristo e sua mensagem. O homem pode expor a práxis de sua vida à luz dessa oferta, e então sua práxis será transformada. Ou pode, auto-suficiente, fugir dessa nova iluminação, porque suas obras não agüentam a luz do dia. Portanto – e aqui Jo se torna muito esclarecedor para nossa problemática atual -, a razão por que alguém aceita ou rejeita Jesus não é tanto uma razão intelectual, mas a práxis que ele está vivendo. Quem “faz a verdade” (3,21) aceita a luz do Cristo.
Para Jo, o julgamento acontece na rejeição de Cristo, enviado do Pai; e isso, desde já; como também a salvação existe, desde já, na sua aceitação (3,18). Ora, esta rejeição ou aceitação acontece na práxis.
Nisto está uma mensagem importante para nossa “subida” à festa pascal em espírito – de conversão (cf. canto da comunhão; oração do dia). Não bastará proclamar na noite pascal o Credo, o compromisso da fé. A proclamação deve ser a confirmação daquilo – que já estamos vivendo e praticando. Desde já, esta Quaresma nos deve levar a uma nova práxis. Dai ser necessário participar da Campanha da Fraternidade e de práticas semelhantes, que nos levem a viver, com convicção, na luz projetada pelo Filho de Deus, morto na cruz por nós. Não só austera abnegação, mas positiva e alegre doação aos necessitados. Não que nossa práxis nos salvasse. Mas é preciso que façamos algo, para que se encarne o que Deus quer para conosco: um amor em atos e verdade (1Jo 3,18).
Não são as nossas obras que nos salvam. Quem nos salva é Deus. Mas nossas obras encarnam sua salvação.
Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes
Mensagem
Nossa vida restaurada em Cristo
A liturgia de hoje fala de crime e castigo e, sobretudo, de restauração, pois Deus não quer a morte do pecador, e sim, que ele mude de caminho e viva (cf. Ez 18,23.32). A 1ª leitura mostra como os israelitas se afastaram de Deus. Quando, porém, foram exilados de sua terra e levados à Babilônia, entenderam que sua desgraça era um sinal de seu afastamento. Voltaram seu coração para Deus, que os fez voltar à sua terra. Essa história prefigura a volta de todos os seres humanos para Deus, reconduzidos pelo amor que Cristo manifestou.
Os que estávamos mortos pelo pecado, mas acreditamos em Cristo, fomos salvos pela graça recebida na fé: “Pela graça fostes salvos” (2ª leitura). Nossos erros mostram que, por nós mesmos, não somos capazes de trilhar o caminho certo. A única maneira de “voltar” é deixar-nos atrair pela oferta de amizade de Deus.Não nos salvamos pelas nossas obras (no sentido de esforços para “merecer”), mas Deus nos salva para as boas obras que ele preparou para que nós entrássemos nelas: a caridade, a solidariedade… (Ef 2,10). Não são as nossas obras que nos salvam: quem nos salva é Deus. Mas o que fazemos – a nossa prática de vida fraterna e solidária – encarna nossa salvação.
O evangelho expressa idéias semelhantes. É o fim do diálogo de Jesus com Nicodemos, o fariseu. O trecho que lemos hoje inicia com uma lembrança do Êxodo. Deus tinha castigado a rebeldia do povo com a praga das serpentes. Para os livrar da praga, Moisés levantou numa haste, à vista dos israelitas, uma serpente de bronze. Os que levantaram com fé os olhos para este sinal ficaram curados. Assim devemos levantar com fé os olhos para o Cristo elevado na cruz e receber dele a salvação, pois Deus o deu ao mundo para que testemunhasse seu amor até o fim. “Tanto Deus amou o mundo….”(Jo, 3,14-16). A liturgia da Quaresma insiste: o pecado não é irreparável. Para os que crêem, existe volta, conversão, perdão e salvação. Jesus não veio para condenar, mas para salvar. Ele é a luz que penetra nossas trevas. Mas há quem fuja da luz, para não admitir que está agindo de maneira errada. Nesse caso, não há remédio (Jô 3,19-21). Assim como a gente gosta de expor-se ao benfazejo sol da manhã, devemos expor-nos à luz de Cristo. Sua prática deve iluminar nossa vida, para que “pratiquemos a verdade”. Todos somos salvos ou devemos ser salvos pelo amor de Deus que Cristo nos manifesta. Ninguém fabrica sua própria salvação. O auto-suficiente permanece nas trevas, ainda que sua suficiência pareça virtude, como era o caso dos fariseus, aos quais se dirige a advertência do evangelho. Por outro lado, se nos deixarmos iluminar por Cristo, sejamos também uma luz para nossos irmãos. O evangelizado seja também evangelizador.
Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes
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