No Evangelho de São Lucas nos deparamos com as simpáticas figuras das irmãs Marta e Maria, que, juntamente com seu irmão Lázaro, eram muito queridas de Jesus. Todos conhecemos a famosa passagem em que Marta se queixa a Jesus que sua irmã Maria a tinha deixado sozinha, com todos os afazeres da casa, enquanto ficava ali, “aos pés” de Jesus, escutando-O (Cf. Lc 10, 38-42). Também já sabemos que se foi o tempo das discussões fundamentadas nesta passagem entre a superioridade da vida contemplativa ou da vida ativa na Igreja, pois aprendemos que a vida cristã se fundamenta tanto na oração/contemplação, quanto na ação.
Pois é sobre esta Igreja que reza e que age que desejo refletir um pouco aqui.
A Igreja recebeu de Jesus Cristo a unção do Espírito para responder aos desafios do mundo, e por isso, ela deverá fermentar a sociedade, salgar a terra e iluminar o mundo; deve anunciar” sobre os telhados” aquela Boa-Nova que lhe foi confiada em segredo, quando Cristo ainda falava “ao pé” dos ouvidos aos seus Apóstolos, ensinando-lhes sobre o Reino a ser desenvolvido e que havia chegado com a sua Pessoa. Uma Igreja que discerne os sinais dos tempos, que escuta com todos os seus membros os sopros do Espírito, aquilo que Ele deseja dizer acerca dos desafios do tempo presente como direcionamento para um correto agir, como respostas de um Deus que se importa com a vida de seus filhos e que jamais os deixará abandonados num caminho sem saída, em qualquer tempo da história.
Como é bela a Igreja e como é urgente a todos os cristãos o “sentir com a Igreja” como ensinava São João XXIII. Fico pensando que, especialmente os bispos, padres, religiosos e religiosas, seminaristas, leigos e leigas que estão mais à frente das pastorais e movimentos desta Igreja possuem especial chamado do Senhor a este “sentir com a Igreja”, especialmente quando os tempos desafiam a vida sobre a terra. E vivemos hoje um tempo assim.
Voltando às figuras de Marta e Maria, acredito que estamos em um tempo em que se faz tarefa urgente sermos cristãos de uma Igreja engajada, ou seja, de uma Igreja que ora e contempla o seu Senhor, para que, cheia do seu Espírito, conhecendo a vontade do Pai, possa agir no meio de um mundo que pede socorro. Renunciando a toda e qualquer questão periférica, a fim de não se perder em “picuinhas” acerca do que lhe pode minar as forças para a missão, a Igreja precisa ir ao encontro da vida que está gemendo em meio a tanta dor.
Assim, como pensar em perder tempo, por exemplo, com detalhes litúrgicos de menor monta, quando boa parte de nossos jovens estão perdendo o encanto pelo próprio viver? Por acaso vai querer celebrar a liturgia um jovem que perdeu toda e qualquer razão para viver? E como há jovens não querendo mais viver! É por eles que a Igreja precisa se engajar, ir buscar estas ovelhas que se perderam do rebanho e gemem em algum ermo por algum bom pastor que se importe com elas. Assim sendo, não é possível que os pastores fiquem nos templos discutindo o jeito mais certo de balançar o turíbulo durante a incensação, o visual que as túnicas e casulas devem ter ou que fiquem falando de espiritualidades, que de tão contemplativas não sejam mais acessíveis à sede espiritual da média dos filhos e filhas de Deus, enquanto nossos jovens tiram a própria vida. Estas coisas só serão boas, se estiverem a serviço do cuidado com a vida dos irmãos, com a atitude samaritana que faz o nosso culto ser agradável a Deus.
Todos os dias ouvimos também que a fome se alastra pelo nosso país, que o desemprego cresce sempre mais, que o ódio divide o nosso povo, que os homens têm falado cada vez mais de armas e de guerras. Diante de tudo isto, como, enquanto cristãos que somos, não querer ir à campo, ir para o meio das pessoas, adentrar os bairros mais pobres, as prisões, os hospitais e tantos lugares que precisam de nossa oração e ação engajadas em suas lutas? Como se contentar em oferecer o mínimo quando o Espírito grita pelo melhor de nós? Como não nos gastarmos, o quanto nos for possível, para oferecer algo de Deus para ajudarmos nestas causas tão urgentes? Não é possível que o contemplativo em nós, Igreja de Cristo que somos, se contente com discursos espirituais que descurem da verdadeira caridade ou que dividam o Corpo de Cristo, a Igreja, tirando-lhe as forças para a missão.
Precisamos ser uma Igreja engajada na causa do Reino em meio ao mundo de hoje e não de um mundo que só exista em nossas reflexões, ainda que belas, bem construídas, mas que falam de estrelas, enquanto a terra se esvai em dores. Precisamos ser cristãos “que sentem” com a Igreja e não paralelamente a ela, e que vão a campo com ela, pois é à Igreja que o Espírito falará, apontando os caminhos. Foi assim que Jesus quis, é assim que Ele continua querendo.
Que Marta e Maria intercedam por nós.
Dom Walter Jorge Pinto
Bispo Diocesano